quinta-feira, 18 de agosto de 2011

TEATRO ROMANÇAL - Do Tradicional ao Contemporâneo


TEATRO ROMANÇAL
Do Tradicional ao Contemporâneo

A Metodologia
O Teatro Romançal não deve ser visto apenas como teatro popular ou regionalista. O fato de termos nas expressões espetaculares tradicionais os modelos para a estrutura cênica e no cordel a inspiração para a produção dramatúrgica, não limita as possibilidades deste teatro. As expressões da cultura popular tradicional são fontes de onde poderá emergir um teatro dinâmico e contemporâneo, importante para o tempo e a realidade em que vivemos.
A busca pela teatralidade no teatro tem levado grandes mestres reformadores da cena, a viagens pelos mais diferentes países do oriente – Japão, China, India, Bali – pela América Latina – México, Peru, Bolívia, Guatemala, entre outros. Estas viagens empreendidas por Artaud, Brecht, Grotowski, Barba, Ariane Mnouskinne, Savaresse e por mestres da etnocenologia como Jean-Marie Pradier, Rafael Mandresse e Jean Duvignaud, têm produzido metodologias, práticas, estéticas, linguagens e teorias cênicas. O teatro resultante destas viagens-experiências é tido como contemporâneo e de vanguarda. Mas suas fontes são tradicionais.
Porque os mestres do teatro europeu tiveram que empreender viagens a países longínquos para recriarem suas cenas a partir da tradição popular de outras nações? Talvez já não possa encontrar nos seus países de origem uma tradição rica de signos e formas capazes de oferecer elementos para a cena teatral.
Foi pensando nisso que me voltei para investigar as possibilidades cênicas das expressões tradicionais brasileiras. Foi percebendo as riquezas de nossas manifestações espetaculares, o que de teatral existe nelas, é que me pus a buscar um caminho para o tipo de teatro que acredito.
Este “esforço intelectual”, este “olhar olhando” além das evidências, do óbvio, das aparências nos remete ao sentido das ações e das falas dos sujeitos. Para isso recorremos à etnocenologia como método de investigação, observação e análise das práticas espetaculares.
A etnocelogia se apresenta como um novo paradigma metodológico, tendo como sinais reveladores de sua emergência o domínio dos estudos sobre a teatralidade, o cotidiano e a espetacularidade, “estas invenções da humanidade que tem um caráter comum: associar estreitamente o corpo e a mente, em um acontecimento social espetacular”. ()
A partir desta lógica, pensamos um teatro que seja estruturado no cotidiano e na espetacularidade das expressões “das culturas minoritárias, nas suas formas carregadas de sentidos simbólicos, representações e formas...”() identificado com os princípios transculturais. Um teatro como manifestação do povo, que extrapola o anonimato o erudito e alcança estágios altos da cultura.
A Dramaturgia
O teatro Romançal, assim como, a literatura na qual foi inspirado, percorre caminhos diversos que passa pela derrisão, pelo grotesco, pelo fantástico, e pelo sublime. Seus temas vão desde as quengadas, perpassando pelo social e político, até os conflitos psicológicos e existenciais. O tempo pode ser mitológico, anacrônico ou contemporâneo. As narrativas abordam desde as sagas épicas de heróis-guerreiros, príncipes e princesas, reis e cangaceiros, animais fantásticos, bem como, o cotidiano da gente do povo, dos mantes apaixonados, dos guerrilheiros urbanos. Ou seja, sua narrativa busca o humano.
Interessa a esse teatro, os grandes conflitos, o confronto humano de violências e desejos, de ódio e paixão, de fanfarrice e covardia. Toda experiência em que reine a transgressão, a violação e a renovação da vida.
A dramaturgia para o Teatro Romançal deve buscar a dinâmica rítmica das trovas, buscar a força, o valor sonoro e formal das palavras. Deve ultrapassar o tempo-ritmo, ter agilidade com o jogo de palavras como nos trava-línguas. Deve-se buscar a pancada das palavras através de sua forma e som.
O Ator
O ator deste teatro é o ator-brincante. A preparação do ator-brincante deve passar pela compreensão do imaginário. A representação imaginária está carregada de afetividade e de emoções criadoras e poéticas. Segundo Laplantine:
“ Para construir o processo do imaginário é preciso mobilizar as imagens primeiras, como dos homens, cidades, animais e flores conhecidas, libertar-se delas e modifica-las. Como processo criador, o imaginário reconstrói ou transforma o real. Não se trata, contudo, da modificação da realidade, que consiste no fato físico em si mesmo, como a trajetória natural dos astros, mas trata-se do real que constitui a representação, ou seja, a tradução mental dessa realidade exterior”(1997, p. 17)
Analisando a assertiva de Laplantine cheguei a seguinte conclusão:
Partindo das imagens primeiras e libertando-se do real, projeta-se uma correlação entre os objetos e os sujeitos que percorre desde o real que aparece figurado em imagens, até a representação possível do real. Assim o imaginário pode libertar-se do real e inventar, fingir, improvisar, sintetizar ou fundir imagens. (Lourenço – 2004, p.40).
Estas imagens primeiras, que são imagens do real, passam a serem produtos do imaginário, passam a representar a maneira como vemos o mundo.  Aqui entra o improviso, a invenção, a fusão de imagens, produzindo um real imaginário carregado de sentimentos e afetos, onde os universos oníricos e reais se permeiam e se fundem.
Todo trabalho com o ator visa construir o “corpus cogitans” o corpo pensante, individual ou coletivo, que integra na sua formação o biológico, o psicológico, o intelectual e o social, carregado de memória afetiva do universo externo e interno do indivíduo. A interação com o organismo global e o entorno físico e social.





Franck Lourenço
Coordenador do NUPEC

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